Dia Mundial de Doação de Leite Humano é celebrado em 19 de maio
Pandemia reduz estoques de leite materno no Brasil, mas doação permanece segura
Com informações CNN Brasil
Em abril de 2020, durante o crescimento da pandemia de Covid-19, chegava ao mundo Maria Antonieta, filha da professora Ana Cristina de Oliveira, 39, de Santa Vitória, Minas Gerais. A bebê nasceu prematuramente, aos seis meses, devido a uma complicação obstétrica grave desenvolvida por Ana durante a gestação.
Mãe e filha permaneceram internadas e precisaram recorrer ao trabalho da equipe do banco de leite humano do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Eu não tinha leite o suficiente. A doação contribuiu demais para o desenvolvimento dela, que teve pouquíssimas intercorrências, ganhou peso rapidamente, e hoje tem uma saúde excelente”, diz Ana.
Histórias como a de Ana e Maria Antonieta são motivos para comemoração nesta quarta-feira (19), Dia Mundial de Doação de Leite Humano. Também são um lembrete sobre a importância dos bancos de leite e da segurança do processo de doação mesmo durante a pandemia.
O medo da contaminação pelo novo coronavírus e as restrições de circulação contribuíram para uma redução significativa dos estoques dos bancos de leite do Brasil ao longo do ano passado. Em 2020, 156.373 mulheres realizaram doações de leite no país, o que representa uma baixa de 17% em relação a 2019, quando 188.666 foram doadoras.
No primeiro ano da pandemia, foram coletados 191.373 litros de leite humano, cerca de 31 mil litros a menos que no ano anterior – uma redução de 14%.
O número de recém-nascidos beneficiados também foi menor. Em 2020, foram atendidas 180.763 crianças prematuras internadas em UTI neonatal, enquanto em 2019 o número chegou a 214.515 – uma baixa de quase 16%.
——CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE—–
Recomendações durante a pandemia
O Brasil conta com 223 bancos de leite humano e 220 pontos de coleta espalhados por todos os estados e Distrito Federal (veja quadro abaixo). As unidades compõem uma rede global do Ministério da Saúde, com sede na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, que abriga o centro de referência nacional.
Danielle Aparecida da Silva, coordenadora do banco de leite do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, explica que a Covid-19 provocou a união dos centros que integram a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano. A ideia é avaliar a segurança dos procedimentos diante da doença.
Realizadas de forma remota nos primeiros meses da pandemia, as reuniões contam com a participação de profissionais de saúde que integram as equipes dos bancos de leite humano e de representantes de secretarias estaduais e municipais de saúde. Juntos, chegaram à produção de recomendações técnicas sobre o aleitamento materno e a doação na pandemia de Covid-19.
O documento aconselha a restrição da doação por mães com sintomas compatíveis com a síndrome gripal, infecção respiratória ou caso confirmado de Covid-19, no período de 14 dias a partir do início dos sintomas. A contraindicação também vale para mulheres que entraram em contato domiciliar com pacientes diagnosticados com a doença.
“Uma vez comprovado que mantínhamos uma rotina de processos seguros, iniciamos a divulgação da informação junto aos nossos profissionais e às usuárias, o que impactou positivamente nas doações”, diz Danielle.
Ato de amor
A assistente social Bruna Clea Ferreira, 34, foi uma das impactadas. Ela decidiu se tornar doadora em meio à pandemia, após se sentir sensibilizada por uma reportagem sobre a redução dos estoques no período.
Desde junho de 2020, quando seu filho Vicente tinha apenas dois meses, Bruna faz semanalmente a retirada do leite em casa, nos frascos esterilizados fornecidos pelo banco de leite da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que depois são entregues pelo marido na unidade.
Bruna ressalta que não há motivos para receio ou incertezas e que o procedimento para a retirada é simples, rápido e pode ser feito com segurança. (veja quadro abaixo).
“É um ato de amor e solidariedade com outras mães. Se eu tivesse que ficar com meu filho internado na UTI, dependendo de ganhar peso para ir para casa, ficaria muito feliz se outra mãe se dispusesse a doar leite”, afirma.
Devido à pandemia, o banco de leite da Santa Casa de São Paulo registrou uma queda no número de doações em 2020. Foram 1.940 atendimentos na sala de coleta da unidade, com volume de leite humano coletado de cerca de 420 litros, enquanto em 2019 foram 2.553 atendimentos e cerca de 468 litros coletados.
A médica Maria Augusta Junqueira Alves, gestora do banco de leite humano da Santa Casa de São Paulo, ressaltou que, apesar desse impacto, as atividades não foram interrompidas em nenhum momento.
—–CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE—–
Benefícios do leite materno
O leite humano pode trazer inúmeros benefícios aos bebês, incluindo redução em 13% da mortalidade infantil até os cinco anos, prevenção de doenças respiratórias e gastrointestinais e diminuição dos riscos de alergias, diabetes, colesterol, hipertensão e obesidade, além de fortalecer os vínculos entre mãe e filho, de acordo com o Ministério da Saúde.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reforça que o leite materno favorece o desenvolvimento e a maturação digestiva e imunológica dos recém-nascidos e reduz complicações relacionadas ao nascimento prematuro, como inflamação e necrose do intestino, distúrbios oculares e pulmonares e sepse tardia, que acomete principalmente os prematuros internados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).
O presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP, Luciano Borges Santiago, ressalta que não existem evidências científicas de que o novo coronavírus possa ser transmitido pelo leite humano. “A Covid-19 é uma doença transmitida por via inalatória. Além disso, o leite doado é pasteurizado, não tem chance nenhuma de contaminação”, afirma.
A nutrição com o leite materno está sendo fundamental para o desenvolvimento da pequena Hillary. Ela nasceu prematuramente no último dia 8 de maio, devido a um quadro de pré-eclâmpsia (quando a gestante desenvolve hipertensão) de sua mãe, Gabriela Araújo Leal Pereira, 25.
Internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por dois dias, ela não teve condições de amamentar a filha recém-nascida. Nos primeiros dias de vida, ainda dentro de uma incubadora, Hillary contou com a ajuda do banco de leite da Santa Casa de São Paulo. “Sem a doação, ela não estaria ganhando peso como está agora”, diz Gabriela.
O gesto serviu de inspiração para que ela também se tornasse uma doadora. “Eu quero fazer por outras crianças o que fizeram pela minha filha. São várias crianças passando pela mesma situação. Se cada um fizesse sua parte, não teria tantas mortes de bebês”, afirma.
Os bebês prematuros, como Hillary, são os que mais necessitam da doação do leite materno para garantir a segurança alimentar e nutricional durante o seu período de internação em unidades neonatais, segundo Danielle, pesquisadora da Fiocruz.
Não há quantidade mínima para doação
Os especialistas destacam que não existe quantidade mínima para doação e que a continuidade é essencial para a manutenção dos estoques. Um litro de leite materno doado pode alimentar até 10 recém-nascidos por dia. Dependendo do peso da criança, 1ml já é o suficiente para a nutrição, a cada alimentação.
Maria Augusta Alves, da Santa Casa de São Paulo, explica que um dos desafios das unidades é gerenciar a grande oscilação do número de mães doadoras e a disponibilidade de estoque para atendimento.
“Antes da pandemia a oscilação de estoque estava diretamente relacionada a meses de férias escolares e festas de fim de ano. Com a pandemia, os estoques sofreram fortes influências das orientações de isolamento social e restrição de circulação de pessoas”, afirma.
Segurança garantida x contraindicação
O funcionamento dos bancos de leite humano no Brasil é regulamentado por uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde, o que garante a segurança do processo. Após a coleta, o leite é analisado, pasteurizado e submetido a um rigoroso controle de qualidade. Em seguida, é distribuído de acordo com as necessidades específicas de cada recém-nascido internado.
Por esse motivo, só são permitidas doações que têm como origem os bancos de leite, sendo contraindicado que mães doem leite por conta própria ou amamentem filhos de mulheres com dificuldades de aleitamento, segundo Maria Augusta.
“A amamentação cruzada, como é conhecida a prática, é formalmente contraindicada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse tipo de amamentação traz diversos riscos ao bebê, podendo transmitir doenças infectocontagiosas”, reforça a médica da Santa Casa de São Paulo.