Brasil vive ‘boom de ferrovias’ e Minas pode liderar movimento, diz pesquisador

Em Minas Gerais, há 20 pedidos de autorização para construção de ferrovias e seis deles têm contratos assinados

Com informações O Tempo

Um Brasil ferroviário ainda é uma realidade distante: hoje, a malha ferroviária corresponde a cerca de 22% da matriz de transportes do país. Mas, com um ciclo econômico voltado aos granéis agrícolas, como a soja, abrem-se as portas para um possível “boom” de ferrovias e uma participação crescente dos trilhos no transporte. Só em Minas Gerais, há pedidos de autorização de empresas para mais do que dobrar os 5.109 quilômetros de trilhos da malha ferroviária nos próximos anos, com investimentos bilionários.

A projeção do Ministério da Infraestrutura é que as ferrovias passem a compor entre 35% e 36% da matriz de transportes do Brasil até 2035. Hoje, essa matriz é construída pela iniciativa privada, que depende de autorizações do governo federal, parte do novo marco legal do transporte ferroviário, aprovado no final de 2021. Até agora, o programa Pró Trilhos, que concentra as autorizações, recebeu 95 pedidos de empresas, somando R$ 295 bilhões em investimentos previstos e 23.172 km em estradas de ferro, segundo o Ministério da Infraestrutura — caso todos esses empreendimentos sejam concretizados, isso significaria aumentar em 77% os cerca de 30 mil km existentes no país hoje. Os prazos de conclusão para cada projeto são definidos pelas empresas. 

Em Minas Gerais, são 20 requerimentos, que somam R$ 67 bilhões em investimentos. Entre eles, seis contratos já estão assinados, representando 2.819 km de ferrovias e um investimento de R$ 44,54 bilhões. Mas há obstáculos no caminho até a concretização dessa malha. O professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende, coordenador do Plano Estratégico Ferroviário de Minas Gerais, implementado por lei em 2019, avalia que, nacionalmente, grande parte dos pedidos de autorização não sairá do papel. 

“Qualquer um pode pedir autorização. Fizemos uma análise dos pedidos [de empresas para o Ministério da Infraestrutura] e a maioria não para em pé. Está havendo um movimento de garantia de autorização para marcar terreno, mas, quando começarem as análises de viabilidade, a maioria das autorizações desaparecerá”, pontua ele. Mas Minas sai na frente na análise do grupo, segundo o professor: “O Estado se destaca nas nossas avaliações e poderá chegar rapidamente àqueles 36% que se projeta para a matriz de transporte do Brasil. É uma grande revolução”, afirma.

Uma das possibilidades interessantes para Minas, avalia o professor, é o escoamento de basalto em uma linha do Triângulo Mineiro até o Noroeste de Minas. O mineral, abundante em Uberlândia, pode substituir adubos químicos e é uma opção para a produção de grãos no alto do Estado. A VLI, por exemplo, que opera a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), maior ferrovia do país, assinou um contrato para a construção de uma ferrovia de 276,5 km de extensão entre Uberlândia e Chaveslândia para fortalecer o escoamento de basalto. O investimento anunciado é de R$ 2,77 bilhões. A própria FCA também anunciou, neste mês, que tomará um empréstimo de meio bilhão de reais para investir na expansão de sua malha.

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PRODUÇÃO DE GRÃOS É OPORTUNIDADE PARA EXPANSÃO DE RODOVIAS

Há séculos, o Brasil negligencia um planejamento de longo prazo para sua infraestrutura, avalia o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende. Sem essa visão, os modais de transporte do país respondem a ciclos de produção e se substituem ao longo do tempo, explica o especialista.

“Esse modelo de substituição não é bom. No princípio, tínhamos uma navegação muito forte ao longo da costa, então havia transporte de cabotagem. Ao longo dos anos, ele foi substituído por estradas, com os bandeirantes. Depois, passamos para um auge das ferrovias entre o final do século 19 e o século 20. Quando vieram o petróleo e as refinarias, elas foram substituídas pelas rodovias. O modelo de substituição está muito ligado a economias cíclicas. Tínhamos o ciclo do pau Brasil, do ouro, do café, da industrialização. Isso tem mudado nas últimas décadas”, analisa Resende.

Agora, com o forte dos granéis, principalmente a soja, e a expansão das fronteiras agrícolas, o especialista enxerga uma nova oportunidade para as ferrovias — e sem competição com as rodovias. “É um transporte intermodal, multimodal, sempre integrado. Para pagar o investimento privado em ferrovias, é necessário cargas capazes de preencher muitos vagões, por isso os granéis agrícolas se acomodam bem nela. Mas, para carga geral, é necessário ter uma pulverização grande, de porta em porta, e o caminhão é imbatível. Em outros países onde ferrovias transportam carga geral, elas fazem isso em um trecho maior — para reposição de estoque, por exemplo, em que a velocidade não é um valor fundamental — e o caminhão faz a última perna logística. Isso precisa de uma imensa integração tributária, administrativa e regulatória entre o trem e o caminhão, e ainda não temos isso no Brasil”, diz.

Majoritariamente dependente de rodovias, o Brasil enfrentou sucessivas crises de abastecimento ou risco de desabastecimento devido a movimentos de caminhoneiros, como a greve de 2018 e as interdições de rodovias após as eleições presidenciais deste ano. O aumento das ferrovias nos próximos anos, avalia o professor Paulo Resende, não diminuirá as eventuais consequências de novos movimentos. “A preocupação continua existindo. Quando as rodovias param, vemos o impacto na carga geral, de alimentos, bebidas, combustíveis”, conclui o especialista. 

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